sexta-feira, 28 de outubro de 2011

ROYALTIES DO PETRÓLEO PARA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO


 
Carta enviada no dia 24 de outubro de 2011 aos 513 deputados federais pela SBPC.


SP, 24 de outubro de 2011
SBPC/ABC-147/Dir.


 
Excelentíssimo Senhor

Deputado



Assunto: Royalties do petróleo para educação, ciência, tecnologia e inovação



Senhor Deputado,

No último dia 19 de outubro o Senado Federal aprovou Projeto de Lei 448 referente à partilha dos

Royalties do Petróleo.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências

(ABC), ao lado de sociedades científicas das diferentes áreas do conhecimento, entendem que este é

um assunto da maior importância para o desenvolvimento de nosso país e por isso defendem a

destinação de parte expressiva daqueles royalties para as áreas de Educação e da Ciência e

Tecnologia.

Caberá a esta casa, que representa o povo brasileiro, reverter a ausência de compromisso com o

futuro da nossa nação, expressa no Projeto de Lei aprovado no Senado Federal.

São muitas as razões para se investir em Educação, Ciência e Tecnologia, no entanto, salientamos:

- O Brasil precisa suprir com urgência as graves carências de seu sistema de ensino, especialmente na

educação básica e no ensino técnico;

- Investimentos em ciência, tecnologia e inovação são imprescindíveis para que a economia brasileira

se torne moderna e sustentável, e sua produção, tanto industrial como agrícola, tenha competitividade

nos mercados globais;

- As reservas de petróleo, mesmo que abundantes, são finitas.

O Projeto tem mais um agravante. Se levado adiante, teremos o fim da destinação de parte dos

royalties do petróleo para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Na certeza de que Vossa Excelência cumprirá seu dever de representante do povo brasileiro,

relembramos que o petróleo é um recurso da nação brasileira e seu uso até o presente se fez possível

pela ciência. Assim, os recursos oriundos dessa commodity deverão compor um programa de Estado

e não de Governo, que se olhar para o futuro reconhecerá a fragilidade da educação e da ciência

brasileira.

Agradecemos imensamente a compreensão de Vossa Excelência e permanecemos à disposição para mais esclarecimentos.



Atenciosamente,


HELENA BONCIANI NADER JACOB PALIS

Presidente da SBPC Presidente da ABC

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Boaventura de Sousa Santos*





A democracia política pressupõe a existência do Estado. Os problemas que vivemos hoje na Europa mostram que não há democracia europeia porque não há Estado europeu. E porque muitas prerrogativas soberanas foram transferidas para instituições europeias, as democracias nacionais são hoje menos robustas porque os Estados nacionais são pós-soberanos. Os déficits democráticos nacionais e o déficit democrático europeu alimentam-se uns aos outros e todos se agravam por, entretanto, as instituições europeias terem decidido transferir para os mercados financeiros parte das prerrogativas transferidas para elas pelos Estados nacionais.

Ao cidadão comum será hoje fácil concluir (lamentavelmente só hoje) que foi uma trama bem urdida para incapacitar os Estados europeus no desempenho das suas funções de proteção dos cidadãos contra riscos coletivos e de promoção do bem-estar social. Esta trama neoliberal tem vindo a ser urdida em todo o mundo, e a Europa só teve o privilégio de ser "tramada" à europeia. Vejamos como aconteceu.

Está em curso um processo global de desorganização do Estado democrático. A organização deste tipo de Estado baseia-se em três funções: a função de confiança, por via da qual o Estado protege os cidadãos contra forças estrangeiras, crimes e riscos coletivos; a função de legitimidade, através da qual o Estado garante a promoção do bem-estar; e a função de acumulação, com a qual o Estado garante a reprodução do capital a troco de recursos (tributação, controle de setores estratégicos) que lhe permitam desempenhar as duas outras funções. Os neoliberais pretendem desorganizar o Estado democrático através da inculcação na opinião pública da suposta necessidade de várias transições.

Primeira: da responsabilidade coletiva para a responsabilidade individual. Para os neoliberais, as expectativas da vida dos cidadãos derivam do que eles fazem por si e não do que a sociedade pode fazer por eles. Tem êxito na vida quem toma boas decisões ou tem sorte e fracassa quem toma más decisões ou tem pouca sorte. As condições diferenciadas do nascimento ou do país não devem ser significativamente alteradas pelo Estado.

Segunda: da ação do Estado baseada na tributação para a ação do Estado baseada no crédito. A lógica distributiva da tributação permite ao Estado expandir-se à custa dos rendimentos mais altos, o que, segundo os neoliberais, é injusto, enquanto a lógica distributiva do crédito obriga o Estado a conter-se e a pagar o devido a quem lhe empresta. Esta transição garante a asfixia financeira do Estado, a única medida eficaz contra as políticas sociais.

Terceira: do reconhecimento da existência de bens públicos (educação, saúde) e interesses estratégicos (água, telecomunicações, correios) a serem zelados pelo Estado no interesse de todos para a ideia de que cada intervenção do Estado em área potencialmente rentável é uma limitação ilegítima das oportunidades de lucro privado.

Quarta: do princípio da primazia do Estado para o princípio da primazia da sociedade civil e do mercado. O Estado é sempre ineficiente e autoritário. A força coercitiva do Estado é hostil ao consenso e à coordenação dos interesses e limita a liberdade dos empresários que são quem cria riqueza (dos trabalhadores não há menção). A lógica imperativa do governo deve ser substituída na medida do possível pela lógica cooperativa de governança entre interesses setoriais, entre os quais o do Estado.

Quinta: dos direitos sociais para os apoios em situações extremas de pobreza ou incapacidade e para a filantropia. O Estado social exagerou na solidariedade entre cidadãos e transformou a desigualdade social num mal quando, de facto, é um bem. Entre quem dá esmola e quem a recebe não há igualdade possível, um é sujeito da caridade e o outro é objeto dela.

Perante este perturbador receituário neoliberal, é difícil imaginar que as esquerdas não estejam de acordo sobre o princípio “melhor Estado, sempre; menos Estado, nunca” e que disso não tirem consequências.


* Professor Catedrático da Faculdade de Economia e Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra