quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência


 
A coletânea Padrão de reprodução do capital faz uma reinterpretação coletiva da história latino-americana por meio de uma história econômica da dependência. Os autores Jaime Osorio, Marcelo Carcanholo, Mathias Luce, Carla Ferreira e Marisa Amaral, além de Ruy Mauro Marini – que formam duas gerações de vigorosa tradição da teoria marxista da dependência (TMD) – reúnem-se para apresentar um estudo sobre as leis de tendência do sistema capitalista e as formas de produção, acumulação, circulação e apropriação do valor – ou seja, do processo reprodutivo do capital – em nosso continente.


Faltava até então uma proposta teórica que, tendo a teoria do valor de Marx como núcleo orgânico, apresentasse um programa de pesquisa que englobasse os ciclos do capital e seu processo reprodutivo no tempo, em contextos histórico-concretos, sem concessões para outras vertentes teóricas. Nesse sentido, a perspectiva do padrão de reprodução do capital, formulada originalmente por Ruy Mauro Marini, é um divisor de águas para os interessados na leitura crítica do capitalismo latino-americano. Trata-se de uma proposta teórica que sustenta a necessidade de rigor metodológico e rejeita tanto o ecletismo como o dogmatismo, assumindo para si a difícil tarefa de sustentar o marxismo como ciência transformadora.


Segundo os organizadores, para o pesquisador marxista captar o movimento do capital no contexto de situações histórico-concretas é preciso transitar em diferentes níveis de abstração, desde os maiores, das categorias de O capital, até aqueles que resultam de sínteses de múltiplas determinações da experiência social no tempo. "A categoria de padrão, além de resgatar as contribuições da TMD, sua vigência e urgência para o exame crítico do capitalismo contemporâneo, constitui-se como um verdadeiro programa de pesquisa, articulando contribuições de Marx com formulações do marxismo latino-americano, em especial dos autores dependentistas", afirmam.


O capítulo 1, de Marini, discute o problema da cisão entre as fases do ciclo do capital, demonstrando como a dependência nas esferas tecnológica e financeira, assim como a persistência da superexploração da força de trabalho, faz com que se perpetue a subordinação dos países dependentes à divisão internacional do trabalho. No capítulo 2, Osorio dá seguimento à análise de Marini e aprofunda suas reflexões. Segundo ele, o padrão de reprodução do capital se nutre da trajetória particular de desenvolvimento do capitalismo latino-americano para encontrar sua especificidade em padrões históricos. Já no capítulo 3, Marcelo Dias Carcanholo e Marisa Silva Amaral discutem como se dá a imbricação de dois fundamentos que constituem leis próprias da economia dependente: a superexploração da força de trabalho e a transferência de valor.


O capítulo 4 traz outro estudo de Osorio, dessa vez sobre o surgimento e a consolidação do novo padrão exportador de especialização produtiva em países como Brasil, Argentina, Chile, México e Colômbia, dos anos 1990 aos dias atuais, na conjuntura particular da mundialização do capital. O autor destaca o peso dos padrões exportadores na história econômica latino-americana como um traço marcante de economias que estão voltadas para atender necessidades de outras, em detrimento das necessidades da população trabalhadora local.



Por meio desse resgate da teoria marxista da dependência, o livro presta uma homenagem a Ruy Mauro Marini, seu fundador, e mostra que essa linha do pensamento crítico latino-americano, apesar de ter sido interrompida pelos golpes militares que abalaram o continente, não perderam sua força interpretativa. De acordo com Carlos Eduardo Martins, chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que assina a orelha do livro, "as lutas contra o neoliberalismo e a crescente assunção da dimensão latino-americana pelo Brasil abrem espaço para o reencontro com a história e a recuperação da vitalidade desse filão, com o desafio de ressignificá-lo tendo em vista os desafios contemporâneos. Este livro é expressão disso".


Carla Ferreira, Jaime Osorio, Mathias Luce (orgs.)

sábado, 5 de maio de 2012

Israel x Irã: O espraiamento do conflito (2ª parte)


Devido à sua relevância geopolítica e geoestratégica, interligando o subcontinente indiano ao Mar Mediterrâneo, seria virtualmente inevitável o spillover da guerra contra o Irã, deflagrada por Israel com ou sem a participação dos Estados Unidos, devido às suas implicações religiosas e sectárias. Embora o número de xiitas, entre os muçulmanos, represente de 10% a 11%, contra mais ou menos 90% de sunitas, eles constituem a maioria da população do Irã, Azerbaijão, Iraque, Bahrain, minorias qualitativamente importantes em praticamente todos países do Oriente Médio e adjacências. Estão concentrados em áreas estrategicamente importantes para o Irã [1].
 
Na Arábia Saudita, em uma população de 19,4 milhões, os xiitas, cerca de 1,5 milhão a 2 milhões de habitantes, representam cerca 10%, mas estão concentrados em al-Qatif e al-Awamiyah, na Província Oriental, a mais rica em petróleo, onde representam 1/3 dos moradores e vivem institucionalmente discriminados, nas piores condições econômicas, proibidos de construir suas mesquitas etc [2]. As tensões são antigas. Desde 2011, a população xiita começou a protestar, com mais intensidade, e a insurgir-se, mas as manifestações pacíficas foram reprimidas brutalmente pelas tropas do rei Abdullah. Tanto nas manifestações de 24 de novembro de 2011 quanto em 24 de janeiro de 2012, diversos civis, que protestavam, pacificamente, foram mortos e milhares, presos [3]. E a mídia internacional nenhuma relevância deu a esses fatos.

Entretanto, os xiitas, concentrados em al-Qatif e al-Awamiyah, na Província Oriental, configuram um punhal apontado para o coração petrolífero do país, de onde os Estados Unidos importam cerca de 12% dos 19 milhões de barris que consumiam, a cada 24 horas, em 2011 [4]. Nos primeiros meses de 2012, diversas manifestações de protestos contra a monarquia wahhabista e os Estados Unidos ocorreram ao longo dos portos da Arábia Saudista, envolvendo Qatif (al-Qatif), Rabiyia (al-Rabeeya) e Awamiyah (al-Awamia), porto este por onde fluem mais de 2 milhões de barris de petróleo todos os dias [5].

No caso de guerra contra o Irã, os xiitas certamente voltariam a rebelar-se e atacar os campos petrolíferos lá existentes, assim como as instalações dos Estados Unidos e das companhias norteamericanas, como aconteceu em 25 de junho de 1956, quando um atentado terrorista explodiu as Khobar Towers, perto da companhia Saudi Aramco, na cidade de Dhahran, matando 19 soldados e civis americanos. A estabilidade e a integridade geográfica da Arábia Saudita estariam ameaçadas, inclusive pela secessão da Província Oriental, região de fundamental importância, não apenas econômica, mas também geopolítica e estratégica, pois está situada à margem do Golfo Pérsico e sua capital, Dammam, ligada a Bahrain pela ponte de Manama.  
Os xiitas compõem cerca de 70% da população de Bahrain, estimada (2011) em 1.214.705 habitantes (cerca de 517.368 são trabalhadores estrangeiros) e poderiam, provavelmente, aproveitar as circunstâncias para também se rebelar contra o regime do emir sunita, auto-proclamado rei 2002, Hamad bin Isa al Khalifa, como o fizeram em 2011 e foram sangrentamente reprimidos pelas tropas da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, que atravessaram a ponte de Manama sob a égide do Gulf Cooperation Council (GCC), a fim de sufocar as manifestações e proteger as “instalações estratégicas” lá existentes. A população xiita vive econômica e politicamente marginalizada. E suas manifestações, exigindo reformas democráticas, sob a liderança do clérigo Sheik Isa Qassim, não cessaram, reproduziram-se em março de 2012, assustando a elite sunita e a monarquia Wahhabi da Arábia Saudita. 
Bahrain é um pequeno país insular, de 692 km², um arquipélago de trinta e cinco ilhas e ilhotas, no Golfo Pérsico, mas, embora sua produção atual de petróleo seja diminuta, da ordem aproximada de 239,900 bbl/d (2009 est.), tem fundamental importância geopolítica e estratégica para a Arábia Saudita e, principalmente, para os Estados Unidos. A 5ª Frota está estacionada na base naval de Manama, com 40 navios e 30.000 efetivos, e o aeroporto de Muharaq e a base aérea Sheik Isa são usados pela Força Aérea americana para as operações no Golgo Pérsico, no Mar Vermelho, no Mar Árabe e no Estreito de Hormuz. A presença militar dos Estados Unidos legitima a autocracia sunita da família al Khalifa. E se a maioria xiita assumir ou assumisse o poder em Bahrain certamente contaria com o respaldo da população da Província Oriental, que também se insurgiria na Arábia Saudita e certamente teria o suporte do Iraque e do Irã.  
A guerra sectária espraiar-se-ia, também, ao Líbano, à Jordânia, recrudesceria no Iraque e na Síria, bem como na Líbia e no Iêmen, e poderia atingiria Qatar, onde os Estados Unidos construíram instalações do US Central Command (USCENTCOM) e US Army Forces Central Command (ARCENT), em Sayliyah, aquartelando duas brigadas e mais de 11.000 soldados. Na Base Aérea de Al Udeid, localizada a oeste de Doha, estão instalados o United States Central Command (USCC) e United State Air Force Central Command (USAFCC), bem como hospedada a 379th Air Expeditionary Wing da USAF e No. 83 Expeditionary Air Group RAF. De um modo ou de outro, a guerra sectária afetaria e envolveria as tropas dos Estados Unidos, dado que há décadas apóiam Israel e os regimes ditatoriais da região, inclusive a monarquia Wahhabi, absolutista e corrupta, da Arábia Saudita, e o resultado seria o incremento do anti-americanismo e o maior fortalecimento de al-Qa’ida.  

O desastre econômico

Cerca de 64% das reservas mundiais de petróleo (o Irã é o quarto maior exportador) estão situadas no Oriente Médio, que supre 70% das necessidades mundiais de petróleo, e a rota do Golfo Pérsico, atravessando o Estreito de Hormuz, até o Golfo de Oman é vital para o economia mundial, uma vez que por aí passam 40% do transporte marítimo global de petróleo e a guerra inevitavelmente interromperia o fluxo de 15 Mb/d do cru para a Europa e os Estados Unidos, bem para como a China, Japão e Coréia do Sul, entre outros países. O Estreito de Hormuz seria diretamente afetado e, em conseqüência, o transporte de óleo, ainda que o Irã não o bloqueasse militarmente.  

Desde o início de 2012, o preço do petróleo tipo Brent aumentou em cerca de 10% e chegou a US$ 125,98, em março, devido à instabilidade no Oriente Médio. O Irã exporta 2,5 milhões de barris de petróleo por dia, e a Opep não tem possibilidade de compensar esse volume, no caso de um ataque de Israel ao Irã. E a guerra entre os dois países, além de massacrar, possivelmente, milhares de árabes e israelenses, bem como norteamericanos, elevaria o preço do gás e do petróleo a um nível inimaginável, catapultado para uma cifra superior a US$ 250, ou mesmo chegar US$ 500 o barril, interrompendo o comércio e causando um cataclismo na economia mundial, já abalada e deprimida, desde 2007-2008, pela crise do sistema financeiro, a partir do colapso do Lehman Brothers e outras corporações, e não superada nem nos Estados Unidos nem na Europa, até 2012. Os voláteis mercados financeiros entrariam em completo pânico, com outro golpe, muito mais profundo, que atrasaria ainda mais a recuperação do crescimento econômico dos Estados Unidos e, sobretudo, da União Européia.
O ex-presidente George W. Bush, em 2003, solicitou US$ 87 bilhões para a reconstrução do Iraque e do Afeganistão. Entretanto, desde então, os Estados Unidos estão a gastar cerca de US$ 2 trilhões por ano, nas duas guerras, e menos de 5% do total foi usado para a reconstrução [6]. Só em 2011, a campanha na Líbia custou para cada contribuinte norteamericano cerca de US$ 2 milhões por dia [7]. E, ao fim do ano, os Estados Unidos haviam gastado em torno de US$ 1 bilhão, fornecendo à OTAN mísseis, aviões de monitoramento, drones e toda sorte de munição para derrubar o regime de Muammar Kaddafi e levar o país ao caos [8]. 
Uma conflagração, abrangendo todo o Oriente Médio, envolveria necessariamente os Estados Unidos, cuja dívida pública, em 11 de março de 2012, havia alcançado um montante de mais de US$ 15,5 trilhões, maior que o PIB, estimado em US$ 15,04 trilhões (2011) [9], e continuava a crescer cerca de US$ 4,01 bilhão por dia [10]. E seus gastos na região, que já somam trilhões de dólares, cresceriam de maneira insuportavelmente esmagadora.
Em 2002, o presidente George W. Bush (2001-2005 e 2005-2009) acusou o Irã de constituir com o Iraque e a Coréia do Norte o “eixo do mal”. E ordenou que o U.S. Strategic Command, apoiado pela Força Aérea, elaborasse planos para bombardear o Irã. Porém, dentro do Pentágono, generais e almirantes advertiram que o bombardeio do Irã provavelmente não destruiria todas as suas instalações nucleares e poderia produzir sérias conseqüências econômicas, políticas e militares para os Estados Unidos [11]. A comunidade de inteligência não havia encontrado evidência específica de atividades clandestinas ou de instalações ocultas e que os planos de guerra não eram seguros de acertá-las. E o presidente George W. Bush recuou, mas atacou o Iraque e o general Collin Powell, então secretário de Estado, até compareceu à reunião do Conselho de Segurança da ONU, em 6 de fevereiro e em 7 de março de 2003, para provar que Saddam Hussein possuía armas químicas e nucleares e era necessário urgentemente atacá-lo e derrubar seu regime. O presidente George W. Bush e o general Collin Powel mentiram. O Iraque não possuía nenhuma arma nuclear nem química. 

Um oficial de alta patente do Pentágono comentou com o notável jornalista americano Seymour M. Hersh que a experiência no Iraque fora profundamente falha (deeply flawed) e havia afetado a avaliação do Irã. E acrescentou que “we built this big monster with Iraq, and there was nothing there. This is son of Iraq” [12]. Os Estados Unidos perderam a credibilidade e, nove anos depois de atacar e invadir o Iraque, onde perderam cerca de 4.486 soldados, tiveram 33.184 seriamente feridos e mataram entre 106.000 e 115.00 iraquianos [13], o presidente Barack Obama teve de retirar suas tropas, até 31 de dezembro de 2011, deixando quase todo o país arruinado, 470.000 pessoas vivendo em 382 acampamentos, em áreas inseguras, às quais faltam empregos e serviços básicos, conforme os dados da United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR) [14]. E ainda cerca de um milhão de iraquianos estão deslocados, por diversas regiões, e milhares vivem em condições miseráveis, incapazes de voltar às suas áreas de origem por causa da insegurança da situação ou da destruição de seus lares e falta de serviços básicos [15].  
A situação no Afeganistão, de onde os Estados Unidos e seus aliados da OTAN estavam a planejar a retirada as tropas até o fim de 2014, não é muito diferente. Em março de 2012, o país continuava inseguro, em meio à uma situação econômica e politicamente instável, com um governo corrupto e incompetente, com graves problemas sociais - 1/3 da população desnutrida, menos de 1/4 com água limpa, desemprego- e 2,7 milhões de afegãos refugiados na região e cerca de 3 milhões no resto do mundo [16]. As forças dos Estados Unidos/OTAN haviam destruído casas, culturas e infra-estruturas e prosseguia o deslocamento de pessoas, cerca de 350.000, dentro do Afeganistão. 
Em 16 de outubro de 2011, o ministro da Agricultura, Mohammad Asif Rahimi, revelou que mais de 30% da população afegã vivia abaixo da linha de pobreza e que era necessário investir na agricultura cerca de US% 1 bilhão por ano para evitar a crise de fome [17]. Dez anos de ocupação pelas tropas dos Estados Undos/OTAN fizeram do Afeganistão um dos países mais pobres, instáveis e inseguros do mundo [18]. 
Conforme o relatório “Costs of War”, preparado por acadêmicos, participantes do Eisenhower Research Project do Watson Institute for International Studies, da Brown University, as guerras no Afeganistão, Iraque e Paquistão, em dez anos, mataram 225.000 pessoas, incluindo homens e mulheres militares, mercenários das empresas privadas militares e civis. Só no Afeganistão foram mortos 137.000 civis, e mais 35.600 civis mortos no Paquistão. Até agosto de 2011 haviam morrido 5.998 soldados americanos, 43.184 foram declarados oficialmente feridos, no Afeganistão e no Iraque, e 54.592 requereram sair do teatro das Operations Enduring Freedom, Iraqi Freedom, New Dawn, por motivos médicos. E os custos financeiros situavam-se entre US$ 3.2 e US$ 4 trilhões, incluindo assistência médica e auxílio aos que estão ou estarão mutilados. Há muitos outros custos que não puderam ser quantificados, mas as guerras contra o terror, empreendidas pelos Estados Unidos, foram quase totalmente financiadas por empréstimos, juros de US$ 185 bilhões já pagos ou a pagar, e outro US$ 1 trilhão pode aumentar através de 2020 [19]. Isto significa que de 3% a 4% do custo anual das duas guerras, no valor total de US$1.27 trilhão, foi financiado com cartão de crédito, segundo Joseph Lazzaro [20]. 
Com duas guerras perdidas, no Iraque e no Afeganistão, do qual ainda busca uma retirada mais ou menos honrosas para as suas tropas, o presidente Barack Obama parece consciente do problema tanto econômico quanto militar. E não quer fazer uma aventura, especialmente em um ano eleitoral, embora não se possa desconsiderar o grau de “instabilidade e imaturidade” da opinião pública, nos Estados Unidos, i.e., do “seu potencial de histeria” conforme observou, há alguns anos passados, o inesquecível cientista político americano Brady Tyson [21]. A comunidade de inteligência dos Estados Unidos não está convencida de que o Irã pretenda realmente construir armas nucleares e a National Intelligence Estimate (NIE) de 2011 confirmou as conclusões de 2007 e 2010, segundo as quais o programa o programa foi paralisado desde 2003 [22]. Contudo, não descartou a possibilidade de que seja capaz de produzir bastante urânio enriquecido (HEU), que tanto serve para uso civil (geração de energia nuclear), quanto para uso militar (produção de armas atômicas).
O general James R. Clapper Jr., diretor da National Intelligence dos Estados Unidos, declarou que os especialistas americanos crêem que o Irã está a preservar a opção de produzir armamento nuclear, contudo não havia nenhuma evidência de que tomara essa decisão ou estivesse disposto a levar adiante esse propósito. O general David H. Petraeus, diretor da CIA, bem como o secretário de Defesa, Leon E. Panetta, e o general Martin E. Dempsey, chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, fizeram a mesma avaliação em suas entrevistas na televisão [23]. E o Ayatollah Ali Khamenei, líder dos (principistas), que venceram as eleições para o Parlamento (Majlis Shora Eslami) de março de 2012, e Supremo Guardião de suas leis religiosas (Velayat-e Faqih), reiterou que o Irã não estava em busca de armas “nucleares” e estocá-las é algo “inútil e perigoso” [24].  

As contradições em Israel
Mais da metade da população de Israel é contrária a atacar o Irã, segundo pesquisa divulgada pelo diário israelense Ha'aretz, e acha que, se fosse necessário, não deveria fazê-lo sozinho [25]. Mas o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, do Likud, está estreitamente aliado ao partido Ysrael Beitenu, sob a liderança de Avigdor Liebermen, ministro dos Assuntos Estrangeiros, de ultra-direita, que passou a influenciar grande parte da população de Israel. De 1989, com a desintegração do Bloco Socialista, até 2011, cerca de 1 milhão de russos de origem judaica haviam emigrado para Israel, passando a constituir 1/6 da população judaica (cerca de 6 milhões), a maioria dos quais de direita, ainda com a mentalidade da guerra fria. 
Por outro lado, os ultra-ordotoxos sionistas, fundamentalistas, predominam entre os 350.000 a 400.000 colonos que expandem seus assentamentos na bíblica Judéia e Samaria, i.e., na Banda Ocidental ou Cisjordânia, os territórios ocupados por Israel na guerra de 1967. Eles almejam retomar toda a Palestina ou Canaã, a Terra Prometida, a Terra de Israel (Eretz Yisrael), e influenciam cada vez mais a IDF. Contudo, conquanto ainda existam 256 Kibbutzim (16 religiosos), com cerca de 106.000 habitantes e localizados em áreas periféricas, como Arava, o sonho de Israel como sociedade igualitária já se desvaneceu. 
O Adva - 2009-10 Annual Social Report demonstrou que quase 40% dos israelenses “find it difficult or very difficult to live on their current income.” [26] O diário Ha’aretz calculou que os 500 israelenses mais ricos possuem um montante US$ 75 bilhões, num país cujo PIB é de apenas US$ 205 bilhões enquanto as 20 famílias mais ricas controlam quase a metade do mercado de ações [27]. E a fortuna conjunta desses mais ricos é 25% maior do que o orçamento de Israel em 2011 [28]. São eles o principal suporte do governo da coalizão dos partidos Likud-Ysrael Beitenu, de extrema direita. E as massivas demonstrações de protesto, que culminaram, em setembro de 2011, com a marcha de 430.000 pessoas (a maior na história de Israel), em Tel Aviv, evidenciaram que as principais contradições no país não são apenas étnicas ou religiosas, mas também sociais. 
Mais de 60 anos após sua constituição, Israel apresenta enorme nível de desigualdade, com uma economia inteiramente dependente dos Estados Unidos, dos quais recebem, desde 1985, US$ 3 bilhões por ano [29], a maior parte como ajuda militar, embora não cubra todas as despesas do orçamento militar, avaliado no mínimo em US$ 13 bilhões ou, aproximadamente, 7-8% do PIB, um dos mais altos do mundo [30]. O custo dos Estados Unidos, com a instabilidade no Oriente Médio, cujo epicentro é o conflito Israel-Palestina, alcançou um total de quase US$ 3 trilhões, em dólares de 2002, maior do que o custo com a guerra no Vietnã [31]. 
Tudo indica que a retórica de Benjamin Netanyahu, ávido por atacar o Irã, seja para pressionar o presidente Barack Obama a conceder armamentos ainda mais sofisticados e avançados a Israel, ao competir com os extremistas do Partido Republicano. O presidente George W. Bush, durante sua administração, recusou-se a vender-lhe bombas de penetração profunda (bunker-penetrating bombs) e aviões de reabastecimento, em conseqüência das estimativas de que Israel pudesse usá-los para atacar as instalações nucleares do Irã [32]. 
Entretanto, o Prêmio Nobel da Paz, presidente Barack Obama, atendeu às solicitações do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e autorizou o secretário de Defesa, Leon Panetta, a negociar com o ministro de Defesa de Israel, Ehud Barak, a venda de aviões de reabastecimento e de bombas de penetração profunda (GBU-28 bunker-piercing) [33]. O Ma’ariv Israeli News Service informou que o fornecimento de tais armas a Israel visou a um acordo com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu no sentido de que ele retardasse o ataque ao Irã até 2013 [34]. Contudo, fontes políticas de Israel informam que a maioria do gabinete é a favor de um ataque militar ao Irã, mesmo sem a aprovação dos Estados Unidos e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, no Knesset (Parlamento), fez um discurso bem explícito e resoluto, declarando que não hesitaria em tomar qualquer iniciativa, mesmo sem o acordo do presidente Barack Obama, e citou como precedente o primeiro-ministro Menahem Begin (1977–1983), que mandou bombardear o reator do Iraque, contra a orientação de Washington e a opinião de Yitzhak Hofi, do Mossad, e Yehoshua Saguy, chefe da inteligência da IDF [35]. E, preparando a opinião pública para a guerra, acusou o Irã como a “força dominante”, por trás dos ataques de Gaza, declarando que os “grupos de terror” estão sob o seu guarda-chuva e que os israelenses poderiam imaginar o que aconteceria se estivessem armados com bombas nucleares. 
Conforme percebeu Aluf Benn, editor-chefe do diário israelense Ha’aretz, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, desde que retornou da visita a Washington, no início de março de 2012, empenhou-se, com um warmonger, em preparar a opinião pública para a guerra contra o Irã, tentando convencê-la de que a ameaça a Israel é tangível e existencial e deve ser suprimida para evitar um "second Holocaust" [36]. Não é crível que o Irã viesse a atacar Israel com ogivas atômicas, se as produzisse. Um ataque dessa natureza massacraria também a população palestina, dentro e fora de Israel, e grande parte da população do Líbano. O “second Holocaust” a que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu demagogicamente se referiu não seria somente de judeus, mas igualmente de árabes, cristãos, muçulmanos (inclusive xiitas), na Palestina e adjacências, bem como de parte da população do Irã, uma vez que Israel retaliaria da mesma forma.
Entretanto, embora para conter as pressões do lobby judaico nos Estados Unidos e dos candidatos extremistas do Partido Republicano, continuasse a afirmar que todas as opções estão sobre a meses, inclusive o “componente militar”, para impedir que o Irã adquira armas nucleares, o presidente Barack Obama deseja evitar um confronto armado e insiste na solução do impasse por meios diplomáticos, em meio ao endurecimento de sanções e operações encobertas de sabotagem e assassinatos [37], a guerra nas sombras. Não há alternativa, porquanto, em caso de um ataque aéreo ao Irã, o cenário será o do Apocalipse, quando o quarto Anjo tocou a trombeta e foram soltos os quatros Anjos, que estavam acorrentados à beira do Eufrates e se conservavam para a hora, o dia, o mês e o ano da matança da terça parte dos homens; eram 200 milhões de soldados e os cavalos, que montavam, encouraçados com uma chama sulfurosa azul, tinham crina como juba de leão, de suas narinas saíam fogo, enxofre e fumaça e uma terça parte dos homens foi morta por esses três flagelos, que lhes saíam das narinas.[38] 

(*) Luiz Alberto Moniz Bandeira é cientista político e historiador, professor titular de história da política exterior do Brasil (aposentado) da Universidade de Brasília e autor de mais de 20 obras, entre as quais Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque).




sábado, 31 de março de 2012

Israel versus Irã: Apocalipse now! (1ª parte)

Em meados de 2010, os jornalistas Karen DeYoung e Greg Jaffe, do Washington Post, revelaram que as Special Operations Forces (SOF) dos Estados Unidos estavam a operar em 75 países, 60 a mais do que no fim do governo de George W. Bush , e o coronel Tim Nye, porta-voz do U.S. Special Operations Command, declarou que o número chegaria a 120. Esses números indicam que o presidente Barack Obama intensificou as shadow wars em cerca de 60% das nações do mundo e expandiu globalmente a guerra contra a al-Qa’ida, além do Afeganistão e do Iraque, mediante atividades clandestinas das SOF, no Iêmen e em toda a parte do Oriente Médio, África e Central [1]. E ainda solicitou aumento de 5,7%, no orçamento das SOF para 2011, elevando-o a US$6,3 bilhões, mais um fundo de contingência adicional de U$ 3,5 bilhões em 2010 [2]. Seus contingentes, em 2010, eram de 13.000 efetivos, operando em diversos países, e eventualmente 9.000, divididos entre o Iraque e Afeganistão.

Com esse “way of war”, os Estados Unidos passaram a empregar high-tech killing machines, como os drones (UAV), aviões não tripulados e manejados à distância pela CIA, que disparam mísseis ar-terra do tipo AGM-114 Hellfire, ou equipes do Joint Special Operations Command (JSOC), como o Navy SEALs [3], para assassinar, sumariamente, e/ou capturar (Kill/Capture) chefes da al-Qa’ida e Talibans, no Paquistão, Afeganistão, Iêmen, Somália e em toda a Península Árabe [4]. O número de civis mortos por drones, desde 2004, situou-se, somente no Paquistão, entre 2.347 e 2.956 (dos quais 175 crianças), mais do que militantes [5].
Cerca de pelo menos 253 ataques foram ordenados pelo presidente Barack Obama [6]. E no início de 2012 os Estados Unidos dispunham de mais de 7.000 sistemas aéreos não-tripulados (Unmanned Vehicle Systems), i. e., os chamados drones, mais 12.000 no solo, até centenas de operações de ataque, cobertas e encobertas em, pelo menos, em seis países [7]. O mercado de drones, em 2011, estava avaliado US$ 5.9 bilhões e esperava-se que dobrasse na próxima década. Esses aviões não tripulados custam milhões de dólares e existem dos mais diversos tipos, como MQ-1 Predator e o MQ-9 Reaper. algumas variedades mais sofisticadas, como o Parrot AR.Drone, que custa cerca de US$300,00 e pode ser manejado, inclusive, por iPhone [8].

O presidente Barack Obama, em 2011, determinou a construção de uma constelação de bases, no Corno da África, Etiópia, Djibouti e até em uma das ilhas do arquipélago das Seychelles, no Oceano Índico, para uma agressiva campanha operações com drones, contra o grupo fundamentalista radical Harakat al-Shabaab al-Mujahideen (HSM), aliado de al’Qa’ida, baseado na Somália [9]. A CIA passou a constituir cada vez mais uma força paramilitar, além dos trabalhos de espionagem e coleta de inteligência, e, juntamente com as SOF, participa de quase todas as operações, travadas nas mais diversas regiões. E com esse way of war, ao qual o presidente Barack Obama, justificando o Prêmio Nobel da Paz, recorreu mais do que o presidente George W. Bush, ele se coloca por cima das leis nacionais e internacionais. Basta assinar uma Executive Order (EO) ou um finding [10], autorizando assassinatos (killing targets) e outras operações encobertas, sem ter de consultar o Congresso. E assim as guerras se multiplicaram e se multiplicam.
Barômetro de Conflitos

O Barômetro de Conflitos (Konfliktbarometer) divulgado pelo Instituto de Heidelberg de Pesquisa Internacional de Conflitos (Heidelberger Institut für Internationale Konfliktforschung - HIIK), órgão do Instituto de Ciência Política de Universidade de Heidelberg, mostrou que, em apenas um ano, 2011, o número de guerras e conflitos, no mundo triplicou e foi o mais alto, desde 1945: saltou de seis guerras, e 161 conflitos armados, em 2010, para 20 guerras e 166 conflitos em 2011, tendo como cenário, sobretudo, o Oriente Médio, África e Cáucaso [11]. E a previsão do prof. Christoph Trinn, diretor do HIIK, é de que esse número aumentará ainda em 2012 [12].
É provável. Segundo o presidente Jimmy Carter (1977–1981), revelou em entrevista à imprensa, Israel, em 2008, possuía um arsenal nuclear da ordem de 150 ogivas nucleares [13]. Em fevereiro de 2012, Patrick "Pat" Buchanan, um paleoconservador (linha tradicional) do Partido Republicano e ex-comentarista político da televisão MSNBC (canal a cabo dos Estados Unidos), estimou que Israel tem cerca de 300 ogivas nucleares e advertiu que uma guerra no Oriente Médio seria desastrosa para os Estados Unidos e a economia mundial [14].

No fim dos anos 1990, a comunidade de inteligência dos Estados Unidos havia calculado que Israel possuía entre 75-130 armas nucleares, baseada nas estimativas de produção [15]. O arsenal incluía ogivas para mísseis Jericho-1 e Jericho-2, ademais de bombas para os aviões e outras armas táticas. Conforme outros cálculo, Israel poderia ter, àquele tempo, cerca de 400 armas nucleares, mas o número parece exagerado e seu último inventário incluiu menos de 100 artefatos [16].
O arsenal de Israel pode ser de 150 a 300 ogivas nucleares e a Israeli Defense Force – Air Force (IDF/AF) possuir 1.000 aeronaves, cerca de 350 jatos de combate contando com 125 F-15s avançados, e esquadrões de F-16s, especificamente modificados para empreender ataques estratégicos a longa distância, ademais de uma frota de Heron TP [17], drones, i.e. aeronaves não tripuladas (UAV), que podem atingir 40.000 pés de altura e voar pelo menos 20 horas, até alcançar o Golfo Pérsico. A Israeli Defense Force – Air Force (IDF/AF) talvez seja maior do que a do Reino Unido e da Alemanha [18]. Contudo afigura-se muito limitada a possibilidade de sua utilização para deflagrar uma guerra contra o Irã, com a segurança de vitória.

Alguns, em Israel, crêem que o ataque ao reator Osirak (Operation Opera), no Iraque (1981) constituiu um sucesso histórico, um precedente para o uso da força militar para impedir a proliferação de armas nucleares. Porém, oficiais do Pentágono entendem que um ataque às instalações nucleares no Irã seria uma operação muito complexa, muito diferente dos ataques “cirúrgicos” realizados por Israel ao reator Osirak, no Iraque, e ao reator da Síria (Operation Orchard), na região de Deir ez-Zor, em 6 de setembro de 2007, com um total de oito aviões F-15I Strike Eagle, F-16 Fighting Falcon e uma aeronave de inteligência [19].
A fim de atacar o Irã, no entanto, Israel necessitaria de ao menos 100 bombardeiros F-15, com bombas anti-bunker GBU-28 (laser-guided), das quais consta que dispõe apenas de 30, escoltados por caças a jato F-16 Fighting Falcon, e voar uma distância de 1,600 km (cerca de 1.000 milhas) sobre um espaço aéreo hostil, devendo ser reabastecidos no ar por outros aviões [20]. Segundo o antigo diretor da CIA Michael Hayden, Israel não seria capaz de efetuar ataques aéreos que seriamente afetasse o programa nuclear do Irã. Teria sérios problemas de alcanças as maiores usinas de enriquecimento de urânio em Natanz e Fordo, e a planta de conversão de urânio em Isfaham. Dentro do establishment de Israel, porém, há poucas vozes isoladas que duvidam do sucesso de uma larga investida contra o Irã, mas o consenso é de que seria uma operação complexa e difícil, para a capacidade da IAF [21].
O auto-Holocausto
A posse de armamentos nucleares não torna Israel uma potência. Esse poderio militar não corresponde à sua extensão territorial, à sua dimensão demográfica nem aos seus recursos materiais e humanos [22]. E os cenários que se delineiam, em caso de um ataque ao Irã, com ou sem o respaldo dos Estados Unidos, são realmente apocalípicos. Basta comparar os dados geográficos e demográficas, bem como de suas forças armadas convencionais, para avaliar a catástrofe que levaria ao fim o Estado de Israel, com um Holocausto provocado pelo seu próprio primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Um auto-Holocausto. É o que também prevê o presidente da Rússia Vladimir Putin [23].
O território de Israel é de apenas 20.770 km2, cercado pelo Egito, a Faixa de Gaza, Líbano, Síria e pela Cisjordânia (West Bank). Sua população atual é de 7,5 milhões de habitantes (2012), dos quais mais ou menos 6 milhões, cerca 75%, são judeus e 25%, i. e., 1,5 milhão são árabes muçulmanos, alguns cristãos e druzos. Na Faixa de Gaza, há 1.6 milhões de palestinos; na Cisjordânia, há cerca 2,3 milhões de palestinos. Aproximadamente dentro de todos o território da Palestina (incluindo Israel) o número de árabes é da ordem de mais de 5,5 milhões de palestinos, número quase igual ao dos judeus em Israel, e o fato do governo de Binyamin Netanyahu continuar autorizando construções na Cisjordânia (mais 700 foram autorizadas em fevereiro de 2012), desrespeitando o princípio da criação de dois Estados, pode levá-los a uma violenta explosão, nas circunstâncias de uma guerra contra o Irã.
Ao contrário de Israel, o Irã ocupa o décimo-sexto maior território do mundo, ao sudoeste da Ásia, com uma larga extensão de 1.648.195 km2 e fronteiras com oito países, e mais de 2.440 km (1.516) do litoral entre o Golfo Pérsico e o Golfo de Omã, interligados pelo estratégico Estreito de Hormuz. Sua população é de 78,8 milhões de habitantes (2012 est.), cerca de dez vezes maior do que a de Israel. O diretor do Military Balance Project, na Universidade de Tel Aviv, coronel Yiftah Shapir, admitiu que Israel poderia lançar um ataque contra o Irã e causar muitos danos, inabilitando seu programa nuclear, porém teria de bombardear o país e não poderia fazê-lo sozinho [24]. Ele reconhece que o máximo Israel que pode conseguir é atrasar seu programa nuclear por “some months” e, no máximo quanto possível, cinco anos [25]. Tanto o general (r) Nathan Sharony, chefe do Council for Peace and Security, composto por 1.000 altos oficiais de segurança de Israel, quanto ex-chefe do Mossad (2002-2010), Meir Dagan, também pensam que o ataque ao Irã não compensaria, não seria favorável a Israel [26].
Na Hebrew University, Meir Dagan qualificou um ataque militar ao Irã como “a stupid idea” e, na Tel Aviv University, disse que isto provocaria uma guerra regional, impossível para Israel enfrentar, e daria à república islâmica razão para prosseguir com seu programa nuclear [27]. Posteriormente, em novembro de 2011, falou no Club de Indústria e Comércio de Tel Aviv que Israel não devia atacar o Irã e previu uma Katastrophe, se ocorresse [28]. Por sua vez, o general (r) David Fridovich, ex-comandante ajunto do Special Operations Command e atualmente diretor de Defesa e Estratégia no Jewish Institute for National Security Affairs, declarou ao diário israelense que um ataque de Israel ao Irã poderia ser “counterproductive” [29].
A mesma opinião manifestou o general James Cartwright, do Marine Corps, acentuando inclusive que persuadiria mais os iranianos a apoiar o programa nuclear e convencê-los que por isso o país deve ter os armamentos. Um ataque – acrescentou - poderia destruir as instalações, mas, mas não “uninvent” a tecnologia e o capital intelectual continuaria a existir [30]. E Shlomo Gazit, ex-chefe da Intelligence and National Security, da Israeli Defense Force, acentuou, claramente, que um ataque ao Irã teria conseqüência oposta, i. e., resultaria na “liquidation of Israel” [31]. E acentuou: We will cease to exist after such an attack” [32]. Daí que o general Martin Dempsey, chefe do Estado Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos, declarou à CNN que “We think that it's not prudent at this point to decide to attack Iran" [33].
Instalações nucleares

O Irã possui cerca de 12 a 20 instalações nucleares, espalhadas por diversas regiões. Alguns agentes de inteligência da França, Reino Unido e Estados Unidos suspeitam que, em Fordo, com 3.000 reatores, os cientistas iranianos estejam tentando enriquecer o urânio com uma concentração superior a 20% de pureza, o que capacitaria o governo de produzir artefatos nucleares, se fosse estocada quantidade suficiente para o uso militar. Essa usina está construída parcialmente dentro de uma montanha, a nordeste da mesquita de cidade de Qom, altamente protegida, com uma bateria de mísseis anti-aéreo, montada pela Guarda Islâmica Revolucionária [34].
A de Natanz, na província de Isfaham, distante de Israel quase 1.609 km. encontra-se cerca de oito metros abaixo do nível do solo, protegida por várias camadas de cimento. Lá operam aproximadamente 5.000 centrífugas, alimentadas com urânio hexafluoride. E, segundo o coronel reformado da USAF, Rick Pyatt, seria muito difícil o ataque ao Irã. Os aviões de Israel teriam de voar sobre um território estrangeiro hostil, porquanto os alvos estão 1.700 km distantes, devendo ser reabastecidos no ar, os mísseis Jericho-2 ou Jericho-3 teriam ogivas de peso limitado, provavelmente menos de 1.000 libras, e é muito duvidoso que elas pudessem penetrar bastante fundo para alcançar o nível determinado de destruição [35].
Se o Irã tiver ou tivesse o projeto de enriquecer urânio para fabricar artefatos nucleares, o que muitos suspeitam existir experimentos, inclusive na base militar de Parchim, outras usinas devem ser também subterrâneas, dentro de cavernas, difíceis de detectar com satélites e aviões. A topografia do Irã, a configuração do seu relevo, apresenta enorme dificuldade para ataques aéreos. É muito similar à do Afeganistão, muito escarpada e difícil de mapear, com aviões, inclusive porque os vôos têm de ser baixos e a república islâmica possui ótimo sistema de defesa antiaérea, com inúmeros mísseis terra-ar.
Uma operação aérea contra instalações nucleares do Irã teria de ser, provavelmente, acompanhada por tropas terrestres. Mas Israel conta apenas com 176.500 homens no serviço ativo, dos quais 133.000 no exército, e 565.000 na reserva, enquanto o Irã tem mais do que 523.000 no serviço ativo, dos quais 350.000 no exército, e cerca de 125.000, nos corpos da poderosa Guarda Revolucionária Islâmica [36]. Ademais, o Irã tem excelente sistema de defesa naval, montado com mísseis Sunburn, importados da Rússia e da China, o míssil mais letal contra qualquer navio, desenhado para voar 1.500 milhas por hora, nove pés acima do solo e da água [37]. O desequilíbrio de forças convencionais entre os dois países é enorme. Também possui submarinos e modernos barcos de patrulha, equipados com mísseis, e teria capacidade de interditar a estratégica de linha comunicação marítima, através do Golfo Pérsico [38], e controlar a passagem dos carregamentos de petróleo.
Mesmo com o respaldo da esquadra dos Estados Unidos, estacionada no Golfo Pérsico, e a participação de tropas dos Estados Unidos, uma guerra contra o Irã, desencadeada por Israel, seria uma guerra extremamente difícil e sangrenta. Também, conforme os analistas do Pentágono, um ataque aéreo dos Estados Unidos às instalações nucleares do Irã não seria bastante para destruir todos os reatores para enriquecimento de urânio, embora fosse mais amplo, menos arriscado e provavelmente lhes causasse muito mais danos que se realizado por Israel [39]. Poderia somente atrasar o programa, mas não impedir que o Irã produzisse armas atômicas [40].
A população do Irã é superior à soma das populações do Iraque e do Afeganistão e grande parte está concentrada nas montanhas, que configuram um cinturão estendido entre Zagros e Elbroz e uma linha entre o litoral do Mar Caspio e o Estreito de Hormuz. Outra parte da população está algumas cidades e no nordeste, em Mashhad, cidade com 2,83 milhões de habitantes, próxima à fronteira com o Afeganistão e o Turcomenistão, onde se encontra a tumba do imã al-Rida (765-c.818), um dos sucessores do profeta Muhammad, venerado pelos xiitas e visitado por cerca de 20.000 pessoas. O resto do país é muito pouco povoado. Com três lados cercados por montanhas e dois pelo Mar Cáspio e o Golfo Pérsico, o tamanho e a topografia tornam do Irã uma fortaleza, muito difícil de ser invadida e, ainda mais, ser conquistada [41].
Um ataque de Israel ao Irã seria um desastre. Mataria milhares de civis, arrasaria cidades, porém não poderia aniquilar 78,8 milhões de iranianos nem devastar um território de 1.648.195 km2. Porém nenhuma segurança teria de destruir completamente seu programa de enriquecimento de urânio. Por outro lado, o Irã logo retaliaria e, se lançasse seguidamente uma chuva de mísseis Shahab, Gahdr-3ª ou Sejji, com bombas de fragmentação, cuja sub-munição (bomblet), cerca de 202 explosivos, pode atingir entre 200 e 400 metros e alcançar até 149 km, demoliria muitas cidades de Israel, inclusive Tel Aviv, e dizimaria milhares de seus habitantes. Certamente, o Hamas (sunita), na Faixa de Gaza, e o Hisbollah (xiita), no Líbano, aproveitariam para também atacar Israel com mísseis Katyusha, Fadjr-5, Urgan, Khaibar e outros de que as duas organizações paramilitares dispõem.
Seria extremamente difícil, quase impossível, o governo de Benjamin Netanyahu resistir aos bombardeios e ao levante da população palestina dentro de Israel (1,5 milhão), na Faixa de Gaza (1.6 milhão) [42] e na Cisjordânia (2,3 milhões). Dentro de todo o território da Palestina (incluindo Israel) o número de palestinos é da ordem de mais de 5,5 milhões, contra mais ou menos 6 milhões de judeus. Seria uma guerra híbrida, de alta e baixa intensidade. Da população de Israel, de mais ou menos 6 milhões de judeus, 1,5 milhão poderia ser, em larga medida, aniquilada.
(*) Luiz Alberto Moniz Bandeira é cientista político e historiador, professor titular de história da política exterior do Brasil (aposentado) da Universidade de Brasília e autor de mais de 20 obras, entre as quais Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque).


Publicado pela agência Carta Maior

segunda-feira, 26 de março de 2012

A banalidade da tunga


Os saques dos magistrados felizardos contra a bolsa da Viúva nada têm a ver com corrupção. É coisa pior. Têm a ver com a banalidade de um regime jurídico e tributário que tira dinheiro do andar de baixo e beneficia o de cima, até mesmo quando ele delínque. Quem paga impostos e tem dinheiro a receber se ferra, mas quem não os paga se beneficia. 
Nos anos 90, o Congresso concedeu aos parlamentares um auxílio-moradia que hoje está em R$ 3.000 mensais. Seus defensores argumentam que um deputado do Paraná é obrigado a manter casa em Brasília ou a pagar hotel durante a duração do seu mandato e pode perdê-lo na próxima eleição. 
Pouco a ver com a magistratura, função vitalícia, de servidores inamovíveis fora de regras estritas.
Em 2000, o Supremo Tribunal Federal estendeu o auxílio-moradia aos desembargadores (que vivem nas capitais e delas não são transferidos). Com o direito reconhecido, os doutores tinham direito aos atrasados.
Tome-se o exemplo do juiz Cezar Peluso, atual presidente do Supremo. Ele entrou na carreira em 1968, aos 26 anos, e passou pelas comarcas de Itapetininga, São Sebastião e Igarapava. Nessa fase deveria receber um auxílio-moradia. E depois? Em 1972, ele foi para São Paulo, onde viveu os 21 anos seguintes. (O crédito de Peluso teria ficado em R$ 700 mil.)
Os magistrados poderiam ter caído num regra perversa da Viúva: “Devo, não nego, pagarei quando puder”. Em juridiquês ela se chama fila dos precatórios.
Tome-se outro exemplo, de um policial aposentado que teve reconhecido pela Justiça um crédito de R$ 1 milhão. Ele foi para a fila da choldra.
A dos magistrados seria outra, mesmo assim, os Tribunais de Justiça autorizaram pagamentos por motivos especiais. Um desembargador foi atendido porque estava deprimido; outro, porque choveu na sua casa; um terceiro adoeceu.
No andar de cima, alguns doutores levaram o seu. O policial, no de baixo, ficou na fila até que surgiu a mágica do mercado paralelo de precatórios. Em 2009, uma emenda constitucional permitiu que os créditos fossem negociados, e o policial vendeu o seu por R$ 250 mil.
Tudo bem, problema de quem comprou seu lugar na fila. Não. A emenda permite que os créditos dos precatórios sejam usados para que sonegadores quitem dívidas tributárias.
Diversos Estados regulamentaram esse comércio. No início de janeiro, no Rio, o governador Sergio Cabral promulgou uma lei da Assembleia pela qual os sonegadores de impostos podem quitar suas contas, livres das multas, com abatimento de 50% nos juros de mora, pagando 95% com papéis de precatórios e 5% em dinheiro.
Fica-se assim: o magistrado recebeu de uma vez tudo a que tinha direito. O policial aposentado cansou da fila e preferiu receber 25%. O sonegador que comprou seu precatório transformou R$ 250 mil em R$ 1 milhão.
Admitindo-se que ele devesse R$ 1,2 milhão, livrou-se de R$ 200 mil das multas e quitou o débito gastando R$ 300 mil.
O sonegador economizou R$ 900 mil. Para arrecadar um ervanário desses, a Viúva precisa que um policial cujo salário é de R$ 6.000 mensais pague todos os impostos que lhe deve, ao longo de 32 anos.
Tudo na mais perfeita legalidade 
ELIO GASPARI
FOLHA DE SP - 01/02/12

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A Farra do Poder Judiciário



O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é formado por 33 ministros. Foi criado pela Constituição de 1988. Poucos conhecem ou acompanham sua atuação, pois as atenções nacionais estão concentradas no Supremo Tribunal Federal. No site oficial está escrito que é o tribunal da cidadania. Será? Um simples passeio pelo site permite obter algumas informações preocupantes.  
O tribunal tem 160 veículos, dos quais 112 são automóveis e os restantes 48 são vans, furgões e ônibus. É difícil entender as razões de tantos veículos para um simples tribunal. Mais estranho é o número de funcionários. São 2.741 efetivos. Muitos, é inegável. Mas o número total é maior ainda. Os terceirizados representam 1.018. Desta forma, um simples tribunal tem 3.759 funcionários, com a média aproximada de mais de uma centena de trabalhadores por ministro!! Mesmo assim, em um só contrato, sem licitação, foram destinados quase R$2 milhões para serviço de secretariado.  
Não é por falta de recursos que os processos demoram tantos anos para serem julgados. Dinheiro sobra. Em 2010, a dotação orçamentária foi de R$940 milhões. O dinheiro foi mal gasto. Só para comunicação e divulgação institucional foram reservados R$ 11 milhões, para assistência médica a dotação foi de R$47 milhões e mais 45 milhões de auxílio-alimentação. Os funcionários devem viver com muita sede, pois foram destinados para compra de água mineral R$170 mil. E para reformar uma cozinha foram gastos R$114 mil. Em um acesso digno de Oswaldo Cruz, o STJ consumiu R$225 mil em vacinas. À conservação dos jardins — que, presumo, devem estar muito bem conservados — o tribunal reservou para um simples sistema de irrigação a módica quantia de R$286 mil. Se o passeio pelos gastos do tribunal é aterrador, muito pior é o cenário quando analisamos a folha de pagamento.  
O STJ fala em transparência, porém não discrimina o nome dos ministros e funcionários e seus salários. Só é possível saber que um ministro ou um funcionário (sem o respectivo nome) recebeu em certo mês um determinado salário bruto. E só. Mesmo assim, vale muito a pena pesquisar as folhas de pagamento, mesmo que nem todas, deste ano, estejam disponibilizadas. A média salarial é muito alta. Entre centenas de funcionários efetivos é muito difícil encontrar algum que ganhe menos de 5 mil reais. Mas o que chama principalmente a atenção, além dos salários, são os ganhos eventuais, denominação que o tribunal dá para o abono, indenização e antecipação das férias, a antecipação e a gratificação natalinas, pagamentos retroativos e serviço extraordinário e substituição. Ganhos rendosos. Em março deste ano um ministro recebeu, neste item, 169 mil reais. Infelizmente há outros dois que receberam quase que o triplo: um, R$ 404 mil; e outro, R$435 mil. Este último, somando o salário e as vantagens pessoais, auferiu quase meio milhão de reais em apenas um mês! Os outros dois foram “menos aquinhoados”, um ficou com R$ 197 mil e o segundo, com 432 mil. A situação foi muito mais grave em setembro. Neste mês, seis ministros receberam salários astronômicos: variando de R$190 mil a R$228 mil.  
Os funcionários (assim como os ministros) acrescem ao salário (designado, estranhamente, como “remuneração paradigma”) também as “vantagens eventuais”, além das vantagens pessoais e outros auxílios (sem esquecer as diárias). Assim, não é incomum um funcionário receber R$21 mil, como foi o caso do assessor-chefe CJ-3, do ministro 19, os R$25,8 mil do assessor-chefe CJ-3 do ministro 22, ou, ainda, em setembro, o assessor chefe CJ-3 do do desembargador 1 recebeu R$39 mil (seria cômico se não fosse trágico: até parece identificação do seriado “Agente 86”). Em meio a estes privilégios, o STJ deu outros péssimos exemplos.  

Em 2010, um ministro, Paulo Medina, foi acusado de vender sentenças judiciais. Foi condenado pelo CNJ. Imaginou-se que seria preso por ter violado a lei sob a proteção do Estado, o que é ignóbil. Não, nada disso. A pena foi a aposentadoria compulsória. Passou a receber R$25 mil. E que pode ser extensiva à viúva como pensão. 

Em outubro do mesmo ano, o presidente do STJ, Ari Pargendler, foi denunciado pelo estudante Marco Paulo dos Santos. O estudante, estagiário no STJ, estava numa fila de um caixa eletrônico da agência do Banco do Brasil existente naquele tribunal. Na frente dele estava o presidente do STJ. Pargendler, aos gritos, exigiu que o rapaz ficasse distante dele, quando já estava aguardando, como todos os outros clientes, na fila regulamentar. O presidente daquela Corte avançou em direção ao estudante, arrancou o seu crachá e gritou: “Sou presidente do STJ e você está demitido. Isso aqui acabou para você.” E cumpriu a ameaça. O estudante, que dependia do estágio — recebia R$750 —, foi sumariamente demitido.  
Certamente o STJ vai argumentar que todos os gastos e privilégios são legais. E devem ser. Mas são imorais, dignos de uma república bufa. Os ministros deveriam ter vergonha de receber 30, 50 ou até 480 mil reais por mês. Na verdade devem achar que é uma intromissão indevida examinar seus gastos. Muitos, inclusive, podem até usar o seu poder legal para coagir os críticos. Triste Judiciário. Depois de tanta luta para o estabelecimento do estado de direito, acabou confundindo independência com a gastança irresponsável de recursos públicos, e autonomia com prepotência. Deixou de lado a razão da sua existência: fazer justiça.

Marco Antônio Villa - Historiador da Universidade de São Carlos