quinta-feira, 8 de julho de 2010

Apure sua visão sobre as “Favelas” - 1ª Parte


Temos aqui um tema que esclarece como poucos, a questão da mentalidade dentro da sociedade brasileira.


Toda minha experiência de vida foi testemunha que na sua grande maioria, a mente solta e inserida nas camadas acima dos pobres, no conceito de classe pré-concebido. Reflete ou reverbera pré-conceitos e discursos segmentários, montados em épocas das quais elas não tem a menor idéia.


Como minha sociabilidade pode ser entendida na classe média, meus testemunhos se justificam.
Quando expresso “mente solta”, digo do individuo que é capaz de julgar a sociedade sem ela estudar. Quantas vezes o tema favela se faz presente dentro dos noticiários policiais, do seu tele jornal diário, dentro de conversas sobre violência, e como explicação de condição social.
Considerando quem mora ou freqüenta o Rio de Janeiro, “cidade maravilhosa”, quem ao menos não escutou ao passar diante de uma enorme favela? “Como seria perfeito se “isso” não estivesse aí”. Ou coisa parecida. “Como seria lindo se o Rio não tivesse favelas! E varias outras explanações neste sentido.


A favela é sem duvida, até os dias de hoje, um verdadeiro mito para toda a sociedade que se externa a ela.


É claramente perceptível à atenção dos mais leigos, como esse mito é encarado na contemporaneidade. A sociedade que se exclui, pinta a favela como uma habitação maior de uma praga maldita social, uma habitação matricial, geradora como uma rainha, de insetos sociais, aonde por sorte, algum pode ser salvo para o plano alienado da classe média. Sendo que a grande maioria é encarada como um lastro e uma ameaça para ao bom funcionamento do Estado.
E este por sua vez, tem contato com o “mito” através de obras eleitoreiras, assistencialismo barato e, sobretudo com a mão pesada do militarismo policial. Isolando e contendo os indivíduos que ousam explorar um viés alternativo de compreensão de mundo, e de cultura.


Percebe-se que enquanto uma parte da sociedade consegue ter uma rotina razoável de vida, outra fica espremida entre um plano violento de segurança estadual de tolerância zero, dirigido para aqueles que não tiveram o menor contato com o próprio estado. Tendo que achar normal uma verdadeira guerra de guerrilha com armamentos pesados nas ruas, nos espaços públicos do seu bairro e entre suas casas. Coisa impensável nos bairros de classe média a rica, mas, justificável nas ditas favelas.


E o que muda no entendimento, quando atravessamos essa circunstância com a ciência História? Sempre muda muita coisa. Continuamente a História nos revela e oferece a chance de se ver um mundo escondido pelo poder e pelas conveniências.


Então para começar a entender as favelas e toda a criação deste mito devemos voltar ao século XIX na cidade do Rio de Janeiro.


Quando enormes casarios de latifundiários em crise passaram a ser explorados como cortiços para a classe trabalhadora pobre que necessitava estar próximo da alternativa rara de trabalho, ou seja, no grande centro. Surgindo com isso uma adequação social impar e bem brasileira, aonde pobres e ricos dividiam os mesmos bairros na cidade.


Os cortiços eram definidos pelo regulamento municipal como: “construcção prohibida pela prefeitura. É uma habitação collectiva, geralmente constituída por pequenos quartos de madeira ou construcção ligeira, algumas vezes installados nos fundos de prédios e outras em pequenos pateo. Também se considera cortiço um prédio de construcção antiga onde clandestinamente são construídas divisões de madeira (construcção prohibida pela prefeitura), formando quartos ou cubículos, sem mobília, que muitas vezes se extendem aos sótãos, forros, porões, cozinhas, despencas banheiros, etc e habitados geralmente por indivíduos de classe pobre e com o nome de casa de alugar cômodos, sem direção...” Cf. Backheuser (1906:105-106)


Importante lembrar que neste período, uma considerável massa de trabalhadores, principalmente negros e imigrantes, disputava as poucas vagas de trabalho formal e informal que a cidade provia. Período ainda de um país latifundiário com muita oferta de mão de obra e uma fraca política industrial.


A pobreza urbana se acumulava e trazia preocupações para as elites de todo o mundo, isso, quando as ciências sociais ainda engatinhavam no meio acadêmico sendo apenas o germe do que viria ser, portanto ficando fora do processo de pensar a pobreza.


Profissionais da imprensa, literatos, engenheiros, médicos, advogados, entre outros, foram os primeiros a se prestar, a tentar entender a cena urbana e seus personagens pobres. No Rio de Janeiro a atenção se voltou para o foco das classes pobres, o cortiço. Como cita Licia Prado Valladares “Definido como um verdadeiro “inferno social”, o cortiço carioca era visto como ameaça a ordem social e moral. Percebido como espaço propagador da doença e do vício, era denunciado e condenado através do discurso médico e higienista, levando a adoção de medidas administrativas pelos governos da cidade”.


Após o entendimento de uma circunstancia capital dentro da sociedade, ser apreciada, discutida e interpretada pela perspectiva de profissionais, quando não apenas técnicos, sempre elitizados, a imagem totalmente negativa dos meios populares ganhava a oficialidade, estava declarada a “guerra” contra os cortiços. Através de leis e ações administrativas, os cortiços foram sendo destruídos e erradicados. Novamente o discurso civilizatório euro-centrista foi bem conveniente. O Estado Brasileiro que trazia ainda a hereditariedade de uma colônia de exploração, sustentada por uma elite na sua grande maioria ruralista, existia principalmente para o sustentáculo da mola mestra da maquina econômica. Pouco tinha noção das conseqüências, que ações radicais teriam, não encarando a modernidade, que já se fazia presente, pelo menos com suas mazelas.


Excluir habitações populares para uma grande reforma urbana “civilizatória” e não pensar em uma política de habitações para a massa despejada, não pensar o quanto a pobreza poderia pesar para um todo, mostrava a forma que os lideres encaminhavam o país diante de uma nova realidade de mundo, no final do século XIX.


Vários estudos hoje mostram uma ligação direta entre as demolições e incêndios dos cortiços do centro com o inicio das ocupações ilegais nos morros cariocas. A massa despejada dos cortiços ocupou os morros nas proximidades do centro da cidade, já que o subúrbio ainda rural, desprovido de transporte e longe dos empregos era inviável à sobrevivência.


Continua...

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